sexta-feira, 2 de maio de 2008

Apartheid: espaço negro é discriminado e vigiado na Virada Cultural


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Apartheid: espaço negro é discriminado e vigiado na Virada Cultural

Por Dennis de Oliveira [Segunda-Feira, 28 de Abril de 2008 às 15:43hs]

Entre tantos confetes despejados pela mídia para a Virada Cultural -
principalmente pelo fato do Poder Público mobilizar sua estrutura para criar
um "simulacro" de paz no degradado centro de São Paulo, permitindo que a
classe média possa passear
tranquilamente nas ruas cotidianamente ocupadas por mendigos, trombadinhas,
prostitutas, vendedores de crack e outros párias - não passaram despercebidas
as atitudes racistas da organização do evento para quem freqüentou o espaço
destinado à apresentação dos grupos de hip-hop e black music. Dentro da
filosofia de segmentação dos espaços de acordo com os ritmos apresentados, a organização da
Virada Cultural "segregou" o hip-hop e a black music para um local mais distante do centro, a Praça Cívica do Parque D. Pedro, atrás da antiga sede da prefeitura, o Palácio das Indústrias. O local é de acesso difícil e fica mais distante da maioria dos espaços centrais onde aconteceram outras apresentações. Os freqüentadores deste espaço na Virada, além de enfrentarem a distância, ainda passaram pelo constrangimento da ação ostensiva da Polícia Militar que mobilizou o seu maior contigente para este local e ainda praticaram atos que não se verificaram em outros espaços, como uma rigorosa revista em bolsas, sacolas e no próprio corpo, tanto em homens como em mulheres. A entrada de cervejas e refrigerantes em lata foi proibida (ao contrário de outros locais, onde a venda de bebidas era livre). O rapper Rappin' Hood afirmou: "Estamos sitiados". Para Thaíde, "a localização do palco é uma forma de demonstrar o preconceito" . Estas duas declarações foram publicadas na matéria Rappers
reclamam de revista da polícia e do local do palco publicada na Folha de S. Paulo de 28 de abril, na página E-5. Na mesma página, a Folha de S. Paulo dá destaque para uma ação policial que impediu a apresentação de um grupo francês de dança no largo Santa Ifigênia. Esta mesma matéria é iniciada
da seguinte forma: Foco de atenção da última Virada Cultural com o show dos
Racionais MC's na praça da Sé - que terminou em pancadaria entre policiais e
espectadores - o hip hop ficou longe do núcleo da festa nesta edição do ano.
O que se infere desta abertura da matéria é que a discriminação deu-se por
conta de uma visão
construída, a partir da generalização de um fato particular, de que show de
rap é um risco e, portanto, deve ser segregado e colocado sob rígida
vigilância. A
lembrança ao episódio do ano passado que envolveu os Racionais também é
lembrada na matéria sobre o problema com o grupo francês de dança, com
destaque inclusive no "olho" (O secretário municipal de cultura . disse que a
ferida de 2007 ainda estrá aberta). Traduzindo: o fato que ocorreu no show
dos Racionais
no ano passado prejudicou, em primeiro lugar (seguindo a hierarquia
estabelecida pelo jornal em termos de destaque) a apresentação do grupo
francês de dança e também foi responsável pelo constrangimento a que tiveram
que passar os fãs de hip-hop e black music neste ano. A culpa é dos pretos
pobres que impedem que se civilize a cultura e o centro de São Paulo
degradado pelos párias (prostitutas, mendigos, "crackeiros" , bêbados). No
palco do samba, na Santa Ifigênia, durante a
apresentação do Quinteto em Branco e Preto no domingo à tarde, um grupo de
jovens, brancos e de classe média, se divertia fumando cigarros e cigarros
de maconha, bebendo latas e latas de cerveja e outras bebidas alcóolicas,
apresentando- se totalmente tontos e prestes a cair em cima de pessoas -
atitudes quesocialmente são justificadas pelo visual "hippie" e pela
permissividade de comportamentos quando estes são praticados por pessoas da
classe média
branca em espaços negros. Nenhuma crítica moralista nisto, mas nota-se com os
fatos que o inverso não é verdadeiro. Ou será que jovens negros podem ficar
alterados com bebidas e drogas na apresentação, por exemplo, de um grupo de
dança francês?

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Dennis de Oliveira é professor da Escola de Comunicações e Artes da
USP, jornalista, doutor em Ciências da Comunicação pela ECA/USP, presidente
do Celacc (Centro de Estudos Latino Americanos de Cultura e Comunicação) e
membro do Neinb (Núcleo de Estudos Interdisciplinares do Negro Brasileiro).
E-mail: dennisoliveira@ uol.com.br

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